quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Canção para mulheres de fibra

Essa é especial para tricoteiras, crocheteiras, costureiras, fiandeiras, tecelãs... enfim, mulheres de fibra! Roberta Sá e o Trio Madeira Brasil - "A Mão do Amor":


Eis a letra - é ou não é para nós?

"Eu queria que a mão do amor
Um dia trançasse
Os fios do nosso destino
Bordadeira fazendo tricô

Em cada ponto que desse
Amarrasse a dor
Feito quem faz um crochê
Uma renda, um filó
Unisse as pontas do nosso querer
E desse um nó
Nó de muringa de correr
Nó de fié
Nó de guia, botão de rosa
Nó de ané"

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A Dama do Tricô

Essa semana eu recebi pelo correio um kit com DVDs que havia encomendado: "Knitting Workshop", com Elizabeth Zimmermann.

O que faz as pessoas se interessarem por esse material até hoje?



EZ, como é chamada no universo dos trabalhos manuais, nasceu na Inglaterra em 1910; estudou na Suiça e na Alemanha, testemunhou a luta pela sobrevivência financeira da família após a Primeira Guerra e foi morar nos EUA um pouco antes da Segunda Guerra Mundial, acompanhando o marido alemão e nada queridinho dos nazistas. Tirando esse episódio, sua vida foi pacata e centrada. Elizabeth passou a vida educando uma família ("sem televisão em casa"), lendo muito, pintando quadros, tricotando e inventando. Ou "unventing", como ela gostava de dizer em seus vários livros publicados: ela dizia que quase tudo já foi inventado, mas você pode adaptar e aperfeiçoar - ou "unvent'.*

E o que ela "unventou"? Basicamente ela bolou jeitos mais eficazes e simples de se fazer quase tudo em matéria de tricô. Costurar as peças de um suéter não é um saco? Elizabeth criou o suéter sem costura, tricotado em agulha circular. Ficar trocando as cores do fio nas mãos é difícil? Elizabeth descobriu que é possível tricotar com as duas mãos ao mesmo tempo, uma cor em cada mão, para criar padrões. Não consegue encontrar uma receita de suéter que sirva para seu fio e sua tensão? Elizabeth criou o sistema EPS - ou "Elizabeth's Percentage System": não importa o fio ou a tensão, é só você definir o número de pontos para o corpo do suéter; o restante das medidas são porcentagens fixas desse número inicial. Receitas, nunca mais!

Além da inventividade, o talento para ensinar também estava presente: EZ parecia antecipar as dúvidas que as tricoteiras teriam na execução de suas instruções, e sabia como nos esclarecer e tranqüilizar. Houve mais de uma situação em que fiquei na dúvida, e li em seguida: "Eu sei que isso parece confuso, mas tenha fé e confiança, pois logo essa manobra fará sentido." E fazia. Seus livros me convenceram de que eu era capaz de fazer coisas que eu julgava impossíveis, antes - como meu primeiro par de meias. Ela prova por A + B que todo mundo pode fazer, sim.

Enfim, Elizabeth revolucionou o tricô e através de seus livros ofereceu aquilo que é o maior presente para qualquer artesão: liberdade de criação. Autonomia. Independência. Ela também advogava o uso da lã natural (opa, temos algo em comum!) e falava sempre em "resourcefulness" - palavra que já me inspirou uma postagem.


Mas não é por isso que seus livros são raros e venerados até hoje. Não foi por causa disso que sua família fundou a editora School House Press, adminstrada hoje por sua filha Meg Swansen; não é por isso que até hoje centenas de tricoteiras disputam vagas nos acampamentos de verão que Meg organiza (iniciativa de Elizabeth, anos atrás). E não foi , também, por causa do tricô que comprei os DVDs com todas as aulas que Elizabeth apresentou na TV americana.

O fato é que,  muito mais do que uma grande tricoteira e "unventora", Elizabeth Zimmermann era um ser humano iluminado, com um carisma e capacidade de comunicação formidáveis. Seus livros não são lições de tricô. São literatura. Ela ensina o que tem a ensinar, mas faz isso "conversando", tecendo histórias, salpicando ironias aqui e ali, entretendo. Nos dois primeiros livros ela fez isso sem intenção, mas em "Knitting Around" seu talento para escrever já era tão respeitado que as histórias foram incluídas no livro de propósito: capítulos intercalados com as lições, contando sobre sua infância, seus tempos estudando arte na Alemanha, o início do namoro e a escapada estatégica para a América quando o Nazismo ganhou força. Por que as tricoteiras haveriam de se interessar por essas histórias pessoais? Porque o bom narrador sabe tornar qualquer história interessante.

Tendo lido - e relido - todos os seus livros, imaginei: se é tão gostoso lê-la, como deve ser assistí-la? Encomendei o DVD e não estava enganada: pus a primeira mídia no notebook só para testar, mas de cara assisti a três episódios - 25 minutos cada. Não senti o tempo passar.

O material é simples: produção modesta, cenário mínimo, iluminação ruim, chiados, nada de maquiagem ou roupas atraentes à la Ana Maria Braga ... só Elizabeth, de rosto limpo e cabelos brancos, falando sem parar, demonstrando técnicas, um gato branco e preto na bancada e muitos novelos de lã ao redor. Só. Mas é o bastante.


A notícia da morte de Elizabeth Zimmermann, em 1999, ganhou obituário de destaque no New York Times. E em 2010, ano de seu centenário, o livro Knitter's Almanac foi relançado em edição comemorativa de grande sucesso. Inúmeros autores citam Elizabeth em seus livros. No Ravelry, comunidade virtual de tricô e crochê que já mencionei aqui no blog, há 185 projetos seus, todos avidamente tricotados por muita gente. Um deles, um casaco de bebê de construção modular, foi tricotado 18.652 vezes e deu origem a 1.878 postagens em blogs. 

Vou encerrar com uma frase sua: no finalzinho do livro Knitting Around - ou "Tricotando Por Aí" - ela faz um resumo de sua vida, dos altos e baixos, de haver sobrevivido a duas guerras mundiais, das dificuldades, incertezas e recomeços; e faz uma comparação com o tricô: If you drop a stitch, pick it up immediately. Traduzindo: "Se perder um ponto, recupere-o imediatamente".

Editoras brasileiras, que tal lançar esses livros por aqui, em português?

Até a próxima!

* un, em inglês, é um prefixo de negação - como o "des" em português: descarregar, descascar; no trocadilho de Elizabeth, "unvent" seria algo como "desinventar".