Já dizia Caetano que gente nasceu para brilhar - não para morrer de fome. Mas, às vezes, é preciso um empurrãozinho para as pessoas entenderem seu valor e terem a chance de brilhar - ou, pelo menos, (re)conquistarem a autosuficiência e o respeito próprio.
Esses dias li a respeito do
The Molo Wool Project. Molo é uma cidade no Quênia, África. Nessa região, a etnia predominante é a
Kikuyu, um povo Bantu. A história é clássica: eles viviam na santa paz até que chegaram os europeus, que ocuparam suas terras, impuseram sua forma "civilizada" de vida e sufocaram as tradições locais.
Um livro bacana que fala desse processo é
A Fazenda Africana, de Isak Dinesen - na verdade pseudônimo da dinamarquesa Karen Blixen (ganhadora do Nobel de Literatura), que administrou uma fazenda de café perto de Nairobi (a capital) no início do século passado. O livro virou o
filme "Entre Dois Amores" e ganhou o Oscar. Não é a mesma coisa que o livro, mas mostra como a fazenda acabou sendo retalhada e transformada em loteamento, desalojando os
Kikuyus que lá viviam.
A atriz Meryl Strip com os Kikuyus em cena do filme "Entre Dois Amores", de 1985.
Outro filme interessante ilustra o final da história:
O Jardineiro Fiel se passa nos dias atuais e mostra como até hoje o povo local é visto como ferramenta útil pelos poderosos.
Mas voltando aos Kikuyus: originalmente, a grande riqueza desse povo era - adivinhem! - o carneiro. Dos carneiros provinha sua principal atividade econômica e meio de vida. Mas isso se perdeu, e hoje esse povo tenta sobreviver e fugir da miséria, que se agravou depois da onda de violência pós-eleitoral em 2008: muitas mulheres perderam seus maridos e vivem precariamente, em barracos, tendo de seu apenas o produto de uma "agricultura" de subsistência cultivada em poucos metros quadrados de terra.
O projeto de resgate da utilização da lã -
The Molo Wool Project - está mudando a vida de algumas dessas pessoas. A Americana Gwen Meyer, diretora do
Friends of Kenya Schools and Wildlife -
FKSW ("Amigos das escolas e da vida selvagem do Quênia"), ensinou as mulheres a processar a lã, fiar, tingir e tricotar peças recheadas representando os animais selvagens da região - leões, elefantes, leopardos, zebras, etc. É o que chamamos de artesanato legítimo: aproveitamento de matéria-prima e inspiração locais.
No momento o projeto vende seus produtos nos EUA. Com a renda obtida, já foi construída uma sede. E com a melhoria de seus rendimentos pessoais, as participantes hoje moram em casas de verdade, e são capazes de vestir e alimentar suas famílias.
Além dos benefícios materiais, essas mulheres hoje conhecem seu valor e seu potencial:
"o Molo Wool Project proporcionou um ambiente encorajador para que as mulheres descubram e expressem seus talentos. Mais artistas do que artesãs, elas não usam moldes para produzir suas peças: criam seus próprios itens observando os animais de verdade!". (Trecho do artigo publicado pela revista
Spin-Off em 2011; cópia integral do artigo
aqui).
Vou encerrar com o depoimento de uma das participantes:
Diz Jane Wambui, "Agora, no grupo, sentimos que somos mulheres dignas. Sou capaz de alimentar bem os meus filhos (...). Isso transformou minha vida. Acredito que vou continuar tricotando e um dia vou construir outro cômodo. Estou muito feliz."