terça-feira, 8 de maio de 2012

Nosso canto!

Ando muito entretida nos últimos dias com o ótimo livro da Adélia Borges, "Design + Artesanato - O caminho Brasileiro". Tenho muito o que falar dele aqui, mas por enquanto vou contar só que ontem à noite li um trecho mencionando a existência de associações de fiandeiras - mulheres que fiam - no Brasil. Toca a pesquisar na internet, e de repente descubro o quê? Que existe o Canto das Fiandeiras.


Eu devo ser muito sentimental. Comprei minha roca em novembro passado, sem nunca ter visto uma e sem jamais ter visto ninguém fiar. Achava que estava solitária nisso e no sábado conheci a Cecília, do Sítio Duas Cachoeiras, bem pertinho daqui, que também fia (mostrei na postagem anterior). E agora surge esse canto. Que gostoso, né, Cecília?

E essa é a letra:

A roda que eu fio nela, ô senhora
É só eu que ponho a mão, ô senhora

Ou então minha cunhada, ô senhora
que é muié do meu irmão, ô senhora

As panela lá de dentro, ô senhora
Tá fervendo numa lida, ô senhora

Uma de boca pra baixo, ô senhora
Outra de fundo pra riba, ô senhora

A roda qu'eu fio nela, ô senhora
Sabe lê, sabe escrevê, ô senhora

Só não sabeme dizer, ô senhora
Quanto custa um bem-querer, ô senhora

Fia, fia minha roda ô senhora
Pra acabar com esse algodão, ô senhora

Pra fazer muita roupinha ô senhora
Pra dona da fiação ô  senhora 


Dia bom começa assim.

Inté!

domingo, 6 de maio de 2012

Sim, é possível!

Neste sábado, dia 05 de maio, membros da ACAJAL saíram em mais uma pequena "viagem de campo": desta vez, o local visitado foi o Sítio Duas Cachoeiras, em Amparo, estado de São Paulo. Mas antes de contar sobre a visita é hora de falar um pouco do trabalho do núcleo de artesanato da ACAJAL.

A ACAJAL - Associação de Cultura e Artes José Antônio Lobo - é uma associação sem fins lucrativos, que busca apoiar e desenvolver ações e projetos nas áreas social, cultural e artística aqui em Pouso Alegre; dentro dela há diversos núcleos de trabalho: música, teatro, tradição, artesanato... por enquanto! Eu coordeno o núcleo de artesanato, que tem a missão de:
  •  resgatar tipos de artesanato de raíz que já foram praticados na região, ainda que de forma desorganizada e informal;
  • documentar e divulgar as técnicas de tais formas de artesanato;
  • implementar projetos que tornem acessíveis à comunidade o aprendizado e a prática de antigos e novos tipos de artesanato legítimo, e que possam ser ferramenta educativa junto à escolas e outras instituições;
  • viabilizar a criação de cooperativas que proporcionem um ofício e uma renda a pessoas necessitadas.

Por artesanato legítimo entendemos a prática do trabalho manual feito por pessoas da região, com matéria-prima da região, e inspirado em temas da região.

Assim sendo, o núcleo está no momento desenvolvendo um projeto que visa ao resgate da utilização da lã de carneiro no Sul de Minas. Eu comecei a me interessar por esse assunto há cerca de quatro anos, quando constatei que no exterior usa-se muito as fibras naturais na confecção de fios para artesanato, e aqui no Brasil quase tudo é sintético. Quem acompanha o blog sabe que de lá para cá aprendi a fiar com fuso, depois na roca; embrenhei-me em pequenas propriedades atrás de lã natural, cardei lã com rasqueadeiras de pentear poodles... E, ao longo desse aprendizado, fui contatando pessoas e histórias começaram a surgir. As pessoas ficam sabendo desse meu interesse e vêm contar sobre a avó que fiava, a tia que cardava lã e recheava acolchoados, a vizinha que tem ainda a tesoura de tosquiar utilizada pelo pai... também descobri pequenas criações na região - em Pouso Alegre, Maria da Fé, Ouro Fino, Jacutinga...

Dessa forma, quando conversei pela primeira vez sobre artesanato com pessoas da Secretaria de Cultura e Turismo de Pouso Alegre, surgiu a idéia de elaborar um projeto para resgatar a utilização da lã. A ACAJAL acolheu o projeto e apoiou tais idéias. Desde então eu e o pequeno grupo que reuni estamos trabalhando no aprendizado de técnicas e na busca de empreendedores que aceitem o desafio de iniciar uma produção bem orientada e aproveitada.

O processo não é fácil, e há muito o que fazer. As pessoas envolvidas são voluntárias, o tempo é curto e a verba também. Mas é preciso acreditar na tarefa, e nesse aspecto temos sido encorajados pelo contato com pessoas especiais, que apostaram em projetos como o nosso e obtiveram sucesso. Não falo do sucesso que o mundo enxerga e aplaude, mas do sucesso de, aos poucos, juntar as peças e estruturar uma propriedade sustentável, voltada para a educação ambiental, o manejo justo dos animais, o aproveitamento racional dos recursos da natureza; de ser referência em sua área de trabalho, e ter prazer e boa vontade de compartilhar a experiência adquirida em anos de luta.

É assim que eu descreveria o projeto de vida do casal Guaracy e Cecília Camargo, do Sítio Duas Cachoeiras. Ontem eles abriram mão de sua tarde de sábado e nos receberam generosamente, sem esperar nada em troca, com evidente satisfação de nos mostrar a propriedade e falar de sua rotina de trabalho, do manejo dos animais, dos roteiros de aprendizado que elaboram para receber grupos de estudantes. O carinho e o cuidado da dupla estão evidentes no olhar que têm para os carneirinhos e na maneira como falam da história de cada um; no capricho que se percebe nos espaços designados para o ensino das diversas atividades - fiação, tingimento, tecelagem; e na paixão com que falam de sua lida diária, que já dura 25 anos.

Histórias assim nos convencem de que nosso projeto é possível; mas é preciso, segundo eles, aprender a viver com simplicidade; e acordar todos os dias disposto a aprender mais, para que seja possível eliminar despesas. O envolvimento tem de ser constante e direto.

 E a recompensa? Os jovens aprendem? O interesse das crianças é conquistado? "Nem sempre", diz Guaracy; mas ele conta a história do rapaz, formando em agronomia da Universidade de Lavras, que telefonou convidando-o para uma palestra. Quando perguntou onde o rapaz tinha ouvido falar sobre o trabalho do sítio, ouviu a resposta: "Assisti a uma palestra sua quando estava na 7ª série...". A sementinha germinou.

Enfim, há muito o que mudar nesse mundo, há muito que se aprender e ensinar sobre o respeito à natureza. Que bom conhecer um pouco das pessoas engajadas nessa tarefa.

Abaixo, as fotos da visita. Mais informações sobre o Sítio Duas Cachoeiras no site.


Sincronicidade: na viagem de ida, erramos o caminho e fomos parar em Jacutinga por acaso; na estrada entre Jacutinga e Amparo, fomos premiadas com esta visão de carneirinhos trotando em fila indiana. Mas estes parecem ser da raça Santa Inês, que não produz lã: são criados para corte.

 
Na entrada da cidade, a recepção do casario de época.

Mas a cidade na verdade não tem esse perfil; mais a frente nos surpreendemos com a modernidade e com a quantidade de grandes indústrias - como a Seara e a Ipê.

O casal Cecília e Guaracy, nossos anfitriões, e nós da ACAJAL - Inês, eu e Ana Rita.

Os carneirinhos são dóceis e aceitaram nossa presença tranqüilamente; Guaracy explicou que isso não acontece com animais criados para corte - eles ficam nervosos à menor aproximação. No Sítio Duas Cachoeiras os animais morrem de velhice.


Guaracy ensina sobre as propriedades do extrume e seu aproveitamento.

Guaracy fala dos extratos naturais utilizados no tingimento vegetal das fibras.

Salão com informações para grupos de visitantes, demonstração dos roteiros de aprendizado e exposição de peças artesanais, plantas e fibras.

Cantinho da deliciosa sala de fiação e tecelagem.

Cecília demonstra a fiação, em roca de pedal, das fibras de seus próprios carneiros.

Sombras de fim de tarde na varanda do casarão principal.


No momento da despedida, o pôr do sol.

E no caminho de volta, a companhia da lua. Nessa noite ocorreu o fenômeno conhecido como "Super Lua Cheia".

Final perfeito de um dia perfeito!

Atá a próxima!