quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O Universo das Fibras

Hoje gostaria de falar um pouco sobre como está o universo das fibras no planeta terra. E nada melhor do que dados para mostrar uma realidade. Vamos lá:

- Se você fizer uma busca por livros no site da Amazon com a expressão spinning wool  (“fiar lã”), aparecerão 1.336 resultados.

- O site Spinningdaily.com – uma comunidade de fiandeiras mantida pela editora Interweave – lista spinning guilds (associações de fiandeiras) em todos os estados americanos e em mais dez países.

- A revista especializada Spin-Off, publicação trimestral da editora Interweave, tem suas páginas repletas de anunciantes – fabricantes e revendores de matéria-prima e equipamentos para o manejo artesanal de lã, linho, algodão, seda, alpaca e algumas fibras exóticas e raras. Alguns desses anunciantes ocupam duas ou três páginas com suas listas de pontos de vendas, que podem chegar a 100 cidades nos Estados Unidos, Nova Zelândia e Austrália, principalmente.

- A última edição da revista Spin-Off – outono/2011 – trouxe anúncios de sete diferentes festivais de fibras, em diferentes regiões do país, acontecendo simultaneamente. Esses festivais – que atraem milhares de visitantes - duram três ou quatro dias e divulgam artesanato e fibras, oferecem cursos e vendem matéria-prima e equipamentos. A "estrela" desses festivais é a lã.

California Wool & Fiber Festival - Setembro/2011

 - No exterior há renomados profissionais de preparação e fiação de fibras; todos têm livros publicados e uma agenda lotada de compromissos, aulas, workshops e participações em programas de TV. Alguns exemplos são Maggie Casey, Jacey Boggs, Lexi Boeger, Judith McKenzie McCuin e Abby Franquemont.

- Além dos inúmeros fabricantes comerciais de rocas e outros equipamentos, há profissionais que cultuam uma tradição de família e fabricam rocas únicas, customizadas. Esses profissionais podem ter filas de espera de até cinco anos. Para citar alguns: Tom Golding, Andrew Watson, Alden Amos.

- E, para chegarmos mais perto de nós aqui do Brasil, um congresso acontece bienalmente no Peru, reunindo cerca de 400 fiandeiros e tecelões vindos do Canadá, EUA, Mexico, Guatemala, Equador, Bolívia e Argentina. O evento é organizado por Nilda Alvarez, diretora do Centro de Tradições Têxteis de Cuzco.



Fotos do Tinkuy de Tejedores - encontro de fiadores e tecelões - no Peru 

Todas essas informações delineiam um universo que nos parece surreal, não é? Então quer dizer que tem muita gente por aí mexendo com fibras, pedalando em rocas, fabricando em casa o fio que milhões preferem comprar no armarinho? Mas por que? Tem gente que já acha estranho alguém costurar em casa uma roupa que poderia ser comprada na loja; ou passar dias tricotando um suéter; ou cultivar alfaces que poderiam ser compradas na quitanda.

Pois é...é só isso que eu queria dizer hoje: que tem muita, muita gente que pega a lã do carneiro (ou o algodão do pé, a seda da lagarta, o pelo da lhama) e fia em casa, artesanalmente. Muitos, por subsistência; mas também muitos, sem “necessidade”, por puro prazer.

Escrevi “necessidade” entre aspas, de propósito. São diversas as necessidades e motivações de quem embarca em tarefas manuais milenares, e vamos falar mais disso nas próximas postagens. Por enquanto ficamos com os dados – para refletir.

Até a próxima!

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Que história é essa de fibra todo dia?

Segundo os médicos,  fibras são parte importante de nossa alimentação diária... mas fibras para comer! E para vestir? Forrar a cama? Cobrir a mesa? Alguém já pensou nisso?

Comecei  a perceber melhor e sentir mais prazer ao lidar com fibras no tempo em que era viciada em ponto cruz, há cerca de dez anos: desenrolar uma meadinha nova, cortar e embainhar o linho... era um ritual muito prazeiroso. Nessa época também surgiu a decepção de perceber que aqui no Brasil não temos os mesmos materiais lá de fora. E aí começaram as pesquisas na internet, as encomendas do exterior.

Em seguida veio o vício dos retalhos – e o prazer de lidar com os tecidos 100% algodão. E a guinada que me fez largar a profissão e virar professora de patchwork. Vou contar essa história mais para a frente... esta postagem é só uma introdução.

Pesquisa vai,  pesquisa vem, comecei a ler sobre mais tradições... cultuadas no exterior. Descobri que lá fora se fia, e muito; que existem publicações especializadas; e festivais de fibra; e inúmeros revendedores de matéria-prima e equipamentos. Descobri que aqui mesmo na América do Sul existem comunidades que produzem lã orgânica artesanalmente; conheci projetos como o Manos del Uruguay, o Malabrigo... e no Brasil?

No Brasil, uma terra com tantas tradições, a gente se contenta em sair do armarinho com um pacote de “lã” 100% acrílico, produzida em larga escala, de qualidade duvidosa e cujo processo de fabricação é extremamente agressivo ao meio-ambiente. Lá fui eu atrás de lã natural made in Brazil, de um carpinteiro para me fazer um fuso, de um fabricante de roca!

Encontrei? Sim, e descobri  gente bacana nesse processo. Gente pioneira que tenta mudar o panorama, plantar a sementinha do amor pela matéria-prima obtida e utilizada com sabedoria; gente que valoriza mais a qualidade do que a quantidade; gente que cresceu vendo a avó fiar para a família toda, e sabe que isso era mais do que uma simples tarefa braçal. 

Este blog é uma tentativa minha de entrar para essa tribo; eu faço crochê, bordo, costuro, tricoto, fio minha própria lã e estou aprendendo feltragem. Mas sei que ainda tenho muito a descobrir, muito a resgatar, muito a semear. Convido todos a acompanhar essa história comigo.

Aqui no “Falando de Fibras” haverá postagens sobre:

- matéria-prima, materiais e equipamentos;
- técnicas;
- tradições;
- livros e revistas especializadas;
- reflexões sobre consumo;
- processos de fabricação e seu impacto sobre o meio-ambiente;
- artesanato, criatividade e direitos autorais;
- gente!

Sejam bem vindos!

E para dar água na boca e aguçar a curiosidade, aqui vai uma pequena seleção de fotos:


Legenda:

1. Bolsa tricotada e feltrada;
2. Árvore de Natal e diorama tricotados e feltrados;
3. Cachecol tricotado com a primeira lã que fiei e tingi (não contem para ninguém que a cor que eu queria era bordô);
4. Painel em patchwork, e a antiga máquina de costura de minha avó!
5. Lãs 100% naturais, garimpadas no eBay ou fiadas por mim;
6. Jogo de fusos de madeira feitos pelo Seu João "Cabelo", do bairro São João; vou falar dele e de sua oficina mais para a frente, e de como se fia com fusos;
7. Livros sobre fazendas orgânicas, festivais de fibras, tricô e tipos de lã.